terça-feira, 21 de outubro de 2008

A escada em caracol.

Depois de um almoço bem comido, com direito a gelatina à sobremesa, João e Caddy, o cocker, correm alegremente pela casa. Ao fim do corredor, longo e um pouco escuro, a escada em caracol. Sempre quiseram fazer isto. Mas, por uma razão ou por outra, foram adiando este momento. ‘Empurras tu ou empurro eu?’. Como em tantas outras ocasiões mão e pata unem-se. A mãe, sem perceber que tudo o que sobe também desce, cai abruptamente pela escada em caracol, enrolando-se como pode, para evitar alguns hematomas. Desta vez, foram longe demais. Refugiam-se imóveis, no vão do local do crime, o seu esconderijo habitual. O pai de João, Afonso, alertado por gritos aflitivos de enorme dor, chega ao fundo da escada e percebe o estado grave da sua esposa. Logo agora que era aquele dia da semana em que todas as fantasias vinham ao de cima, depois de João ir dormir. Afonso ligou o 112 e esperou sentado no chão, ao lado de Sofia, pegando-lhe sentidamente na mão. Mas, não tirava os olhos de todos os sítios de onde pudessem surgir os pequenos criminosos. Entretanto, e já com o ar a rarear naquele espaço minúsculo, João e Caddy, permaneciam imóveis, inundados por um misto de culpa, mas também de esperança de não virem a ser descobertos. Uma pequena abertura era agora o seu único contacto com a vida na casa. Contudo, era suficientemente grande para Caddy começar a ficar enervado com as constantes passagens de Gomez, o siamês da vizinha. Gomez que não era parvo, já tinha percebido a cena toda. Era altura de Caddy pagar aquelas maratonas à volta mesa, em que Gomez era uma espécie de isco que corria à frente dos predadores. Caddy vai resistindo como pode, mas a provocação de Gomez torna-se cada vez mais evidente. Num salto, o cocker inicia uma perseguição atrás do gato, esbarrando nas pernas de Afonso. João nunca mais se esqueceu daquele dia. Ficou para sempre tatuado na sua cara. Cinco longos dedos decoraram a sua bochecha, tornando-a ainda mais encarnada. Nunca perdoou a Caddy, esta sua fraqueza de personalidade. A partir desse dia, a mãe coleccionou dedicatórias no gesso e fantasias em todos os outros sítios.

Sem comentários: