domingo, 27 de setembro de 2009

Um momento de eleição.

Antonieta acordou com a sensação que tinha o poder de escolher. Por isso, mais alegre que a normalidade dos dias que respirava, levantou-se da cama com uma confiança que não se lhe via há muito. Tomou um banho mais demorado que o habitual, relaxou, escolheu uma roupa bem bonita e atirou-se ao pequeno-almoço natural em pedaços, que foi tirando espaçadamente do frigorífico. Sentou-se, olhou pela janela e deixou-se invadir pela luz da manhã. Depois de sorver o último gole de sumo de cenoura, levantou-se e olhou-se no espelho da entrada. Hoje sim, iria poder escolher. Todos iam poder escolher. Pôr ou não uma cruz a marcar uma posição. Sim, iria fazer. Como há quatro anos não o conseguiu. Fechou a porta com força, mas apenas no trinco. Desceu a escada até ao rés-do-chão e voltou a subir até o último andar. Uma pequena porta dava acesso ao terraço que em tantas ocasiões lhe serviu de companhia. Hoje testemunharia a sua escolha. Antes de olhar para baixo, olharia o destino de frente.

quarta-feira, 16 de setembro de 2009

Espera

Quando de manhã Filipe acordou percebeu que estava à espera. Esperou algumas horas e nada. Levantou-se, voltou-se a deitar, tornou a levantar-se. Esperou. Olhou em redor e esperou por um sinal. Talvez estivesse enganado e não devesse estar à espera naquele local. Já um pouco irritado perguntou a uma mulher que passava se era ali que se esperava. Ela encolheu os ombros. Filipe avançou mais uns metros e deteve-se na esquina mais próxima. Dali tinha uma visão melhor e de certeza que era o melhor sítio para esperar. E ali ficou mais umas horas. Filipe continuava à espera. Tenho a certeza que era aqui. E nada. Um polícia que, entretanto, parou naquele local disse-lhe que tinha que se afastar que ali não era sítio para se esperar. Afastou-se fugindo ao olhar da autoridade. Afastou-se alguns quarteirões, na esperança de encontrar o melhor sítio para esperar. Parou em frente a uma loja que tinha uma fila de espera. Ainda hoje está lá. À espera.

segunda-feira, 14 de setembro de 2009

À traição

No outro dia tive um caso com a percepção e ela traíu-me.

sexta-feira, 4 de setembro de 2009

Cicatrizações


Há duas semanas abri uma cicatriz. Fazia já muitos anos que não abria nenhuma. Passei toda a minha vida a fechá-las. Mas desta vez empenhei-me a fundo a abrir esta. Contratei pessoal habilitado e fechei-me sobre mim próprio. Quando acordei do transe lá estava ela. Bem aberta. Durante alguns dias andou bem fresquinha e com tiques de ‘não me toques!’. Mas eu não lhe dei assim tanta importância, porque mesmo que aberta de propósito, há que fechá-la o quanto antes. Andei de volta dela, tentando convencê-la que o melhor era fechar. ‘Que não, que ainda nem tinha duas semanas de actividade, que ainda não tinha vivido o suficiente.? Queria aspirar ar e levá-lo lá para dentro. Tinha ouvido dizer que o inspirar o ar purificava por dentro. E eu acrescentei, por dentro e por fora. Por isso, deixei-a andar mais uns dias, purificar-se um dia de cada vez. Há quem diga que, por muito que se queira, essa coisa da purificação tem muito que se lhe diga. Eu acho que se diga e que se faça. Porque não acredito em purificações só com palavras. É preciso actos. Por isso, deixei-a enganar-se este tempo todo. É para aprender. Até que ontem disse-me baixinho: ‘olha, fecha-me lá que eu já estou farta deste sítio e também já estou bem purificadinha’. Olhei-a com desprezo e fechei-a. Pelo menos foi isso que eu lhe disse.

terça-feira, 1 de setembro de 2009

Por acaso


Ela passava o dia a captar a alma da cidade. Ele pensava que um dia alguém não ia apagar o que ele ia deixando para trás. Encontraram-se por acaso.