segunda-feira, 27 de abril de 2015

Travo

Travo. Travo de repente. Aquele travo misturava-se com um doce instantâneo e enlatado que se tinha instalado, com malas e bagagens, alugando aquela semana. Travo outra vez. Talvez seja parte da vida a dizer que ia em excesso de velocidade. À volta ninguém travava daquela maneira. Agora travo a fundo. Deixo sair o fumo que ensombrava os meus fantasmas. Travei a tempo. A tempo de impedir que a consciência derrapasse por entre palavras ocas e três clichés. Travo o cliché para ele não me travar a mim. Talvez daqui a pouco volte a travar a intensidade dos dias que se siamezavam uns aos outros com pontos de alinhavo. Travarei um alinhavo sempre que conseguir. Ou talvez seja que me trave a mim, quando vier em contramão. Travo. Travo agora muito, mas mesmo muito de repente, para que a linha não teça uma interminável píton à volta do meu pescoço. Não consigo asfixiar. Não tenho vocação. Tocou-me. Tocou-me ao de leve. Deixou um pouco daquele veneno que colhe e entorpece de lenta em lentamente. Abandono-me à sorte, imóvel. Sim, agora derrapei. Não evitei a linha. Pisei-a, com arrogância. Deixei-lhe a minha marca, mesmo que ao de levemente. Ignoro se travarei de novo. Olho o merengue, sem lhe sentir o travo. Imagino corpos suados colados em Havana. Morno. Quente. Exausto. O travo hipnotiza-me, encanta-me. Lembra-me Pedro Juan. Não é um travo grátis. Tenho de subir e conquistar todas as ameias em redor. Se Pedro Juan aqui estivesse dir-me-ia simplesmente ‘Tudo se resume a isso. Sobe, entra e serve-te.’ Gosto da crueza de Pedro Juan, como se o conhecesse pessoalmente. Não traves. Às vezes, é preciso derrapar com quantas forças se tem. Derrapar não é coisa que me assuste. Mudei de pneus há pouco tempo.