sábado, 28 de fevereiro de 2009

hipnose express

Acabei de ser hipnotizado pela palavra escrever.

sábado, 21 de fevereiro de 2009

Esquemas

No outro dia conheci um esquema. Não era daqueles muito complicados. Confessou-me que estava cansado de ser esquema, porque num esquema nunca nada é o que parece. E ele estava farto daquele esquema. Isto de ser um esquema de dois vigaristas baratos é um sufoco. Nunca se dorme tranquilo. Cada dia à espera de ser apenas mais um esquema que se põe a descoberto. Já imaginaram o que é dormir todos os dias sem a certeza que a coisa corre bem no dia a seguir? Dramático. E há também que sustentar a família e com o ordenado que tem hoje é andar sempre a fazer contas. Incerto. E educar pequenos esquemas, cada vez a exigirem mais, não é pêra doce. Um esforço hercúleo. Isto para não falar na vergonha que passa se outros esquemas, bem mais discretos e talvez mais inteligentes, descobrem que foi descoberto. Ainda se fosse um daqueles esquemas que, já só reformados e inimputáveis, parece que se descobrem. ‘Ah, parece que havia para aí uns esquemas...’, mas nunca ninguém aparece a querer falar muito no assunto. Isso sim, é um esquema de classe A. Ou daqueles tipo Madoff que parece que estão ao lado do esquema da autoridade, mas na realidade já a enrolaram por todos os lados. E no fim, ainda fica para a História como um esquema inteligente, sofisticado e muito à frente do seu tempo. Ser um esquema descoberto, mas destes, isso sim. Até vale a pena. Por isso, o esquema que conheci no outro dia é um esquema triste hoje em dia. Não consegue evoluir. No início da sua carreira esquemística era uma jovem promessa deste campeonato. Chegou a ganhar alguns prémios e a receber propostas para ir actuar noutros campeonatos mais competitivos. Mas, por amor à terra e por alguma falta de confiança própria da idade, acabou por rejeitar. 'Ah! não entro em esquemas esquisitos!’ Hoje arrepende-se. Mas acredita que a sua oportunidade ainda vai chegar. Na semana passada, ainda acreditou que era desta quando se chegaram perto dele e lhe perguntaram as horas. ‘Tem horas?’ ‘Sim, são 7 e meia’. Esta era a resposta típica de um esquema que está disposto a sair e encontrar novos desafios. Mas, afinal era mesmo uma pessoa que se tinha esquecido do relógio.

sexta-feira, 20 de fevereiro de 2009

Tudo está bem, quando acaba como já devia ter acabado.

Já era a segunda vez hoje. E a primeira tinha-me deixado uma sensação de mau estar que não consegui digerir nos segundos a seguir. O rapaz, dos seus 20 anos, olhar ausente e odor de quem não se inundava de água tépida, há pelo menos uma semana, ergueu de frente para os meus olhos um folha, com um pequeno texto. Escrito a custo, via-se pela caligrafia muito incerta e, aqui e ali, com falta de força, a mensagem era clara: ‘Ajuda-me por favor. Um pão basta.’ É verdade, não me pediu dinheiro, coisa que aliás detesto, mas apenas um pedaço, mesmo que esquecido, da comida mais elementar e básica dos nossos dias. Farinha e água. E eu não parei, nem o olhei de frente. O jogo de ‘olhos nos olhos’ desgasta-me sempre. Perco sempre no último momento e acabo por ceder. Mas, desta vez nem cedi, nem parei, nem perdi. Mas, nem cinco passos adiante, fui atropelado. Ainda hoje estou para saber, por quê, por quem. Num sotaque da Beira, uma velhota, sim o termo é este, pediu-me uma sandes. E como que se penitencia de algo feito no passado, não lhe ofereci nenhuma sandes. Num acesso instintivo perguntei-lhe? ‘A senhora quer almoçar comigo?’, num tom claro e definitivamente muito frontal. A velhota, talvez já tivesse ultrapassado os 70 anos, olhou para mim como se não me tivesse entendido bem. Talvez pela surpresa de, pela primeira vez em algum tempo, alguém tivesse reparado nela e a tivesse tratado como um pessoa que era. Mas, antes que eu pudesse arrepender-me do convite ela respondeu um ‘sim’ que ainda hoje não me sai da cabeça. Subimos a rua lado a lado, como avó e neto. Não trocámos palavras, mas também não me importava. Precisava realmente de alguém que caminhasse comigo aqueles metros. Entrámos no café e, como que num movimento colectivo e coordenado como um movimento de ginástica colectiva, fez-se silêncio e todos nos olharam. ‘Mesa para dois, por favor’, pedi ao empregado mais perto. Um pouco a custo e com alguma má vontade, indicaram-me a mesa mais ao fundo, a mais sombria. Uma pequena ilha para o isolamento do resto daquele mundo. Sentámo-nos. Tirei o casaco e coloquei-o nas costas da cadeira. Até a cadeira, de uma madeira já gasta, destoava do resto da sala. A velhota sentou-se também, ajeitando o lenço que tinha na cabeça. Peguei na ementa e li-lhe os pratos do dia em voz alta, num acesso de preconceito do analfabetismo da minha convidada. Ela escolheu, sem surpresas, uma sopa, ‘quente, por favor, que o frio até me come os ossos.’ ‘E a seguir?’, perguntei-lhe. ‘Pode ser um arroz com carne que vi ali atrás.’ Tentei entabular uma conversa, tendo recebido alguns sins e nãos alternados e mecânicos.

- Sabe, hoje ia almoçar com alguém - disse-lhe em jeito de confissão
- Sim? E porque é que o menino não foi? - respondeu-me desinteressadamente.
Também me pergunto
Pergunta o quê?
Pergunto-me se devia ter ido ou não
E quem é que vai saber senão o menino?
Pois
Pois, não. O menino ainda é muito novo para estar com essas coisas.
Quais coisas?
Essas coisas de saber se vai ou não vai.
Mas eu estava a ir e ao mesmo tempo a não ir.
Então devia ter ido.
Mas se fosse acabava tudo. E talvez me arrependesse a seguir.
Acabava tudo o quê?
O que comecei há uns anos e consegui manter.
Mas agora está arrependido de não ter ido.
Estou.
Então o que faz aqui com uma velhota como eu?
Almoço.
Eu também.
E a senhora?
O que é que tem?
Quem é?
Sou uma velhota. Alzira. Alzira da Silva.
D. Alzira porque veio comigo?
Tinha fome. E ainda tenho um bocadinho que só a sopa não chega.
Já vem o resto, não se preocupe.
Sim, está bem. Sabe menino já fui muito rica.
Ai sim?
Sim. Mas agora já não sou. Emigrei.
Mas sempre viveu em Portugal, D. Alzira?
Não menino, em Portugal não, eu sou da Beira Baixa.

Pedi um café para mim e uma tarte para a D. Alzira. Acompanhei-a à porta. Ela deu-me um beijo e subiu a rua. Eu desci e fui acabar com a minha namorada.

chocochoc

Não comi chocolate. Mas se tivesse comido acho que me ia saber a uma noite bem dormida, coisa rara nos tempos que correm. Talvez amanhã volte a comer um pedaço. Talvez amanhã a noite bem dormida chegue. É 6ª feira. Talvez façam os dois uma corrida para ver quem chega primeiro ao fim da rua. Gosto de pensar que a vida é uma rua que se deixa interceptar por muitas outras. E sonho perder a prioridade nessa rua e deixar que milhares de sensações se atravessem à minha frente, vindas da direita. Se calhar, o melhor é comer mesmo o chocolate, porque desta vez não me vai saber a noite. Desta vez, vai saber apenas a chocolate.

domingo, 15 de fevereiro de 2009

Infidelidades

Qual é a palavra que mais gosto? Não sei. Sou completamente infiel. Neste momento tenho um caso com pelo menos umas mil ao mesmo tempo. E amanhã, com outras mil. Depois, logo se vê.

O dia dos namorados

Se alguém detestar tanto o dias dos namorados tanto como que detesto, por favor acuse-se. Detesto o dia dos namorados, já devem ter percebido. Detesto-o tanto como café com açúcar. O café quando se junta com o açúcar fica sem personalidade. Parece que levou um lifting para agradar não sei bem a quem. Agarra-se por todos os meios, primeiro à língua, depois pela garganta, até encontrar o estômago. E aí já não ter qualquer hipótese de voltar a ser café puro. O dia dos namorados parece café com açúcar. Risadinhas parvas, abraços escondidos quando abre a porta do elevador, cruzando olhares ainda mais parvos com quem tenta entrar, flores ridículas que passam de mão em mão, menus especiais (há o menu docinho, o menu Valentim – em letra maiúscula por respeito ao Santo, o menu do amor, o menu dos 5 sentidos, o menu para dois – ou para três, dependendo do grau de instrução e de abertura de mente do casalinho, o menu pôr-do-sol, o menu Ao Luar, o menu enfim sós, o menu heart attack, o menu honey bunnie, o menu my darling, o menu I wanna be kissed by you, enfim...).
Especialmente este dia dos namorados foi-me particularmente penoso. Até uma flor, sem culpa nenhuma, me veio parar à mão, como se eu tivesse a obrigação de a ter comprado e oferecido a alguém. Neste dia tudo tem um ar meloso que parece estar ali por acaso. Como se nos outros dias esse ar possa estar completamente alheado e ninguém acha estranho. Discutir, estalar a namorada ou namorado num dia qualquer tudo bem, desde que a 14 de Fevereiro ande toda a gente aos xoxos e em jantares pseudo-românticos, com velinhas e tudo. Detesto o dia dos namorados e nem sequer tem a ver com visões mercantilistas. Detesto-o porque tudo me soa a falso e sem a mínima graça. Para além de que já não se suportam tantos corações voadores que aterram em montras totalmente desesperadas esperando que algum rapazinho ou rapariguinha repare nelas. Bem, já disse que detesto o dia dos namorados, mas ainda consigo detestar mais um risotto que cozeu demais.

quarta-feira, 11 de fevereiro de 2009

Aspirações - cap.I

Hoje acordei e pensei que era um aspirador. Só me apetecia aspirar tudo o que estava à minha volta. Mas no fundo não queria aspirar uma coisa qualquer. ‘Hoje vou aspirar tudo o que está a mais no mundo.’, pensei. Mas, pelo caminho não resisti a um pequeno e insignificante grão de pó que teimava em permanecer imóvel na minha mesa de cabeceira, mesmo no ponto de intercepção onde fazia o seu ângulo recto. Não esperei mais e, de uma vez, aspirei-o. Adeus insignificância de pó. Menos uma coisa a mais neste mundo. A seguir, levantei-me lentamente, como quem tem toneladas de chumbo a povoarem as frontes, pois a noite anterior não tinha sido coisa fácil. Nessa altura pensava que era um telefone, mas isso é outra história.

Já sentado na cama, olhei em frente e, pelas frestas da janela, consegui ver um pouco do sol que cobria este dia estranhamente especial. Aproximei-me da janela, afastando um cortinado velho e pesado que tinha herdado do inquilino anterior, um senhor de alguma idade que, tal como eu, apreciava a solidão. Mas apreciava-a de tal forma que passou vários meses encarcerado nele mesmo. Num belo, dia, resolveu ir à rua e, como já não estava habituado a tamanha aventura, esbarrou de frente com um eléctrico. Parece que ficou ali estendido no meio dos carris, com os dois olhos muito abertos, à espera que alguém os fosse fechar. O eléctrico, esse continuou na linha, depois de um retoque na grelha e uma demão de amarelo.

O cortinado velho e pesado, bem que eu o podia aspirar, porque me estava a impedir de ver melhor o sol desse dia. Mas, como não tinha comido ainda, ia ser difícil puxá-lo todo para dentro. Um aspirador não é uma piton. Por isso, primeiro para a esquerda e depois para a direita, arrastei-o a grande custo. Logo aí o Sol invadiu-me de alto a baixo. Tapei a cara, um pouco por vergonha, perante tal invasão. ‘Se fosses um daqueles políticos reles que ganham a vida a vender promessas, bem que te aspirava de uma vez’. E não custava nada, porque um político desses, bem escorrido, não me enchia nem meio depósito. Mas, como era o Sol não o podia aspirar porque fazia falta a este mundo. E se este mundo já tem noite que chegue. Quando me consegui pôr de lado, e ficar apenas com a invasão a meio, reparei em algo que, definitivamente, queria, devia e ia aspirar, nem que tivesse que mudar o saco a meio.

Fixei-me nele.

febre abaixo dos 37º

Hoje acho que tenho febre de viver com mais intensidade. Se calhar vou esperar que a temperatura venha abaixo dos 37º. Ou talvez não.

segunda-feira, 9 de fevereiro de 2009

o céu da boca

Conheci-te e deixaste-me com água no céu da boca.