quinta-feira, 20 de agosto de 2015

troca-tintas

O cor-de-rosa continuava a deslizar-lhe por entre os dedos. O negro, por entre as palavras. Não saiam. Não queriam dizer nada. Escondiam-se atrás de silêncios, que se escondiam atrás de outros silêncios que nunca tiveram voz. Queria fazê-las sair, mas os lábios estavam fechados. A sete chaves. E alguém as tinha deitado fora. Se as encontrasse e as tivesse na sua mão, não teria a certeza que os quisesse abrir. Entrava mosca ou saiam milhares de asneiras alinhadas em fila indiana. Talvez mais valesse estarem assim. Fechados. Não saia a asneira, mas também não entravam os copos de vinho barato, numa cantilena sem fim. Ressacava. Mais valia assim. Não teria de pensar em coisa alguma. Mantinha o cérebro encaracolado em dores de cabeça sucessivas. Agora o rosa já lhe havia passado para a face, que entretanto tinha perdido. O negro, o negro continuava o seu prazeroso deslizar por entre cada palavra. Trocou de tintas. Trocou de tela. Trocou dele.

segunda-feira, 27 de abril de 2015

Travo

Travo. Travo de repente. Aquele travo misturava-se com um doce instantâneo e enlatado que se tinha instalado, com malas e bagagens, alugando aquela semana. Travo outra vez. Talvez seja parte da vida a dizer que ia em excesso de velocidade. À volta ninguém travava daquela maneira. Agora travo a fundo. Deixo sair o fumo que ensombrava os meus fantasmas. Travei a tempo. A tempo de impedir que a consciência derrapasse por entre palavras ocas e três clichés. Travo o cliché para ele não me travar a mim. Talvez daqui a pouco volte a travar a intensidade dos dias que se siamezavam uns aos outros com pontos de alinhavo. Travarei um alinhavo sempre que conseguir. Ou talvez seja que me trave a mim, quando vier em contramão. Travo. Travo agora muito, mas mesmo muito de repente, para que a linha não teça uma interminável píton à volta do meu pescoço. Não consigo asfixiar. Não tenho vocação. Tocou-me. Tocou-me ao de leve. Deixou um pouco daquele veneno que colhe e entorpece de lenta em lentamente. Abandono-me à sorte, imóvel. Sim, agora derrapei. Não evitei a linha. Pisei-a, com arrogância. Deixei-lhe a minha marca, mesmo que ao de levemente. Ignoro se travarei de novo. Olho o merengue, sem lhe sentir o travo. Imagino corpos suados colados em Havana. Morno. Quente. Exausto. O travo hipnotiza-me, encanta-me. Lembra-me Pedro Juan. Não é um travo grátis. Tenho de subir e conquistar todas as ameias em redor. Se Pedro Juan aqui estivesse dir-me-ia simplesmente ‘Tudo se resume a isso. Sobe, entra e serve-te.’ Gosto da crueza de Pedro Juan, como se o conhecesse pessoalmente. Não traves. Às vezes, é preciso derrapar com quantas forças se tem. Derrapar não é coisa que me assuste. Mudei de pneus há pouco tempo.