segunda-feira, 30 de maio de 2011

Toca-não-toca

Miguel sentou-se no chão e esperou. Pela primeira vez não tocou. Primeiro estranhou, depois entranhou mesmo. Os hábitos são perigosos, pensou. Ora nos descansam, ora nos enfurecem. Que merda esta dos sentimentos-duplos. Pela primeira vez não tocou. Miguel elouqueceu-se na espera. Perdeu-se no tempo. E nem sabia se queria voltar a encontrar-se. Pela primeira vez não tocou. Não denunciou aquele conforto que cheira a almofadas fofas de sofá. Que cheira ao entrar em casa. Pela primeira vez não tocou. Mas tocou-lhe fundo. Encontrou-se nele camadas desconhecidas de sentir. Descobriu-se dor e manchas de desprezo gravadas na alma. Pela primeira vez não tocou. E Miguel chorou. Para dentro. Pela vergonha. Pela solidão. Pelas perguntas que não têm resposta. Pelo que é ou parece ser. Pelo filme e pelo intervalo. Pela desconfiança da vida em redor. Pela teia que a aranha começou a tecer à volta das suas dúvidas. Pela primeira vez não tocou. E isso tocou-lhe bem fundo. Tão fundo que Miguel nem sabia se aquele fundo era dele. Pela primeira vez não tocou. Mas quem sabe se não tocará em breve. Nem que seja por breves momentos. Nem que seja por uma fracção tão pequena de segundo, mais longa que o abrir e fechar de olhos. Pela primeira vez não tocou. E há sempre uma primeira vez para tudo, pensou.

2 comentários:

T disse...

Acho que vou precisar de mais pistas, podes ajudar? Está tudo muito fechado. As dúvidas convictas do Miguel ainda são muito fortes. Estão difíceis de desmontar:)

Pena Frenética disse...

Assim que o Miguel der o próximo passo vas ser a primeira a saber:)