segunda-feira, 31 de agosto de 2009

Nada a acrescentar.

Mateo tinha acordado cheio de nada e com uma indomável vontade de fazer coisa nenhuma. Movia-se a nada e para nada. Nada o fazia pensar que o melhor era ter alguma coisa. Mas, nada. Para Mateo nada interessava, nem mesmo ele próprio. Por isso, nesse dia, nada fez. Rigorosamente nada. Quer dizer, respirou fundo e olhou pela janela, onde de vez quando penetravam envergonhados raios de sol. Mas, ficarem para todo o dia, nada. Foram-se ainda quase antes de terem vindo. Mateo ali ficou imóvel. Sem nada sentir, sem nada pedir, sem nada pensar. Esvaziou-se de si próprio e sentou-se, nu, à espera que nada se passasse.

sexta-feira, 28 de agosto de 2009

Dia 19 de Agosto – O dia depois de amanhã há mais de uma semana

Tinha chegado o dia que eu achava que era depois de amanhã, pelo menos depois de ter visto Nova Iorque com gelo a apagar a chama da Liberdade. Lá fui. Ora se já era depois de amanhã, já tinha passado. Mas não passou. Num dia depois de amanhã tudo acontece muito lentamente. Cada segundo é vivido como se fosse um minuto. E cada minuto como se fosse uma hora. E por aí fora. Mas nesse dia, acordei muito mais depressa que o costume. E, ao contrário dos outros dias, não comi. Limitei-me a entrar num jejum consciente que me deu cabo do meu equilíbrio psíquico. Depois, lancei-me para o carro armado de malas e bagagens. Iniciei a viagem. Num dia depois de manhã, não se goza cada momento da viagem. Antes se vive intensamente a ansiedade do que ainda não chegou. E imagine-se, se é depois de amanhã já hoje e se ainda se antecipa, é como viver sem gozo, a vida antes de acontecer. Quando se olha pela janela e se vê a paisagem de um dia depois de amanhã, o pássaro que não tem coragem para nos olhar nos olhos ainda lá não está. E nem sei se estará. As palavras que trocamos ainda não se formaram e, como tal, talvez nem signifiquem nada. E como nada significam são vazias e desprovidas de qualquer sentido. Num dia depois de amanhã cria-se uma barreira entre o que é e o que pode vir a ser. A antecipação não significa que as coisas acontecem realmente. Num momento desse dia pedi um passe de mágica que me levasse para outro dia. Pedi mas ninguém me ouviu. Quer dizer, acho que me ouviram, só que ninguém levou a sério o meu pedido. Mas também, é difícil levar a sério um pedido destes: ‘olhe, leve-me para outro dia, quando tiver a tirar o coelho da cartola!’. Não bate certo. Num dia depois de amanhã o que é que realmente bate certo? Tudo e nada. Para meu bem, no meu dia depois de amanhã, que por acaso foi há mais de uma semana, espero que tudo.

quinta-feira, 27 de agosto de 2009

Céu cor-de-branco-pálido

Deitei-me na cama para poder olhar o céu de frente. Consegui. Quando o céu se olha assim, parece que a essência do Mundo vem ter connosco. Pelo menos comigo. Mas em vez de azul, o meu céu tinha mudado de cor. Estava pálido. Tinha saído de uma manhã de nevoeiro ou de uma pista de bobsleigh - sempre adorei esta palavra e hoje tinha que a escrever em algum lado. No meu céu desse dia não havia sol, nem pássaros, nem uma nuvem para contar história. Mas, estava cheio de grelhas intermináveis de ares condicionados. Alarmes anti-fogo prestes a disparar tsunamis de água doce se alguém quebrava as regras e voltava a comunicar com fumos. Neste meu céu, cheguei a ver estrelas, quando fui invadido por um movimento profissional de ‘eliminação da sensibilidade’. Ainda resisti, mas fui prontamente chamado à razão. Quanto mais sentires, pior para ti. E deixei-me ir. Embalado até não me sentir. Mas com os olhos bem abertos e a ouvir tudo. Saboreei todos os momentos. Fui e vim. Deixei-me frankesteinear. Não gritei, não me mexi, não fiz nada. Apenas ouvi o realizador ao fundo – ‘Corta’. O céu, esse continuou branco por mais uns dias.

sexta-feira, 7 de agosto de 2009

Assim

Que cor viste pela manhã? Quantas vidas viveste antes do meio-dia? Que personagens já foste? Quantos litros de felicidade bebeste do ar que respiras? Quantas vezes foste estrela de TV? Que palavras te disseram mais que um livro inteiro? Que cor tinham os olhos que viram três crianças a puxarem os seus papagaios de papel deixando pegadas de alegria na relva molhada? Que tom de bom-dia trocaste com a senhora do café que te perguntou 'com ou sem adoçante'? Quem te prendeu o olhar com um pequeno traço de ingenuidade? Quem disse que 'é assim' quando pensavas que não era? Quem levou a vida a sério quando ela é um parque de diversões, com entrada livre? Quantas horas eram afinal quando a inspiração te bateu à porta de casa e te pediu para entrar? Quantas vezes gritaste para dentro pensando que ninguém te ouvia? Quando descobriste que hoje era o melhor dia para adiar outra vez o que querias realmente fazer? Quem te disse que o melhor ainda está para vir? Quem te disse o contrário? Quem te disse que a verdade está no meio das duas? Quem te disse que sei onde estás? Quem te disse que o caminho para aí é sempre é linear? Quem te deu essa noção de tempo de séculos? Quem te disse que não apareço aí? Quem te disse que não estou aí neste momento? Talvez hoje ainda nem tenha aberto os olhos. Assim.