domingo, 1 de março de 2009

sala de espera

Numa sala de espera de um consultório médico meio mundo acontece. Mas não um meio mundo qualquer. Meias-vidas cruzam-se, meio-olhares trocam-se, mais ou menos, sem se tocarem. Sintomas silenciosos de doenças existentes, ou não, instalam-se descaradamente na cara. Tomam a identidade de quem as tem. ‘Lembra-se daquela senhora, a da hérnia?’ ‘Ah!, a D. Antonieta!’. Num consultório médico, em primeiro lugar, somos conhecidos pelos nossos sintomas e, depois quem sabe, por algum dos nossos nomes. Eu, por exemplo, já sou conhecido como sendo o tipo das amigdalites salpicadas com pedaços de stress e algumas pitadas de hipocondria. Sim, reconheço que às vezes tenho a mania das doenças. E com grande pena minha, não é só às 2ªs, 4ªs e 6ªs, mas quando menos se espera. E hoje, e também ontem, não esperava, mas apareceu. Toma lá, assim sem avisar. Num consultório médico, o do costume, com as cadeiras do costume, as revistas do costume, a imitação de Vieira da Silva do costume, lá estou esperando a minha vez. O consultório mesmo cheio de gente, está sempre vazio. Falta-lhe um pouco de vida. Mas também, se ela estivesse totalmente saudável, quem precisaria de aqui estar? Um dia sonhei que nunca ficava doente e que todas as pessoas que eu conhecia também não. E as que não conhecia, igualmente. Os médicos ficaram sem trabalho e tinham-se dedicado às letras, com muito sucesso. O mundo tornava-se um lugar em que as doenças tinham dado lugar às palavras. Os médicos, antes preocupados com a saúde das pessoas, dedicavam-se agora à saúde das letras e das palavras. Em todas as esquinas deste novo mundo se viam médico, felizes, ainda com as suas batas brancas, a dizerem textos em voz alta. Não importava se relembravam os clássicos, os modernos, os mais ou menos ou os desconhecidos, qualquer um era pretexto para se juntarem mais algumas vozes e palavras. As doenças, essas não conseguiram resistir e perderam-se para sempre. Mas, como tudo o que é bom acaba depressa, até elas hão-de voltar. Seja quando eu acordar, seja quando voltar à sala de espera do meu médico. Mas, até lá, vou aproveitar ao máximo cada palavra.

1 comentário:

Anónimo disse...

Com um email como o que enviaste, tinha que vir espreitar outra vez. Já cá tinha andado, após ter recebido os teus emails em massa. Gostei de receber este personalizado, mas aquele Carnaval é um assunto sobre o qual ainda tenho alguma dificuldade em falar. Vemo-nos no consultório!