Há duas semanas
abri uma cicatriz. Fazia já muitos anos que não abria nenhuma. Passei toda a
minha vida a fechá-las. Mas desta vez empenhei-me a fundo a abrir esta.
Contratei pessoal habilitado e fechei-me sobre mim próprio. Quando acordei do
transe lá estava ela. Bem aberta. Durante alguns dias andou bem fresquinha e
com tiques de ‘não me toques!’. Mas eu não lhe dei assim tanta importância,
porque mesmo que aberta de propósito, há que fechá-la o quanto antes. Andei de
volta dela, tentando convencê-la que o melhor era fechar. ‘Que não, que ainda
nem tinha duas semanas de actividade, que ainda não tinha vivido o suficiente.?
Queria aspirar ar e levá-lo lá para dentro. Tinha ouvido dizer que o inspirar o
ar purificava por dentro. E eu acrescentei, por dentro e por fora. Por isso,
deixei-a andar mais uns dias, purificar-se um dia de cada vez. Há quem diga
que, por muito que se queira, essa coisa da purificação tem muito que se lhe
diga. Eu acho que se diga e que se faça. Porque não acredito em purificações só
com palavras. É preciso actos. Por isso, deixei-a enganar-se este tempo todo. É
para aprender. Até que ontem disse-me baixinho: ‘olha, fecha-me lá que eu já estou
farta deste sítio e também já estou bem purificadinha’. Olhei-a com desprezo e
fechei-a. Pelo menos foi isso que eu lhe disse.
2 comentários:
Haverá sempre cicatrizes por abrir. E outras por fechar.
Beijinho
Essas feridas que não fecham, essas cicatrizes que não se curam, enfim, lindíssimo o texto!
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